O JUIZ FÁBIO TENENBLAT, DA JUSTIÇA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, PROFERIU UMA DECISÃO PELA MUDANÇA DE NOME DE UM ESTRANGEIRO DE RELIGIÃO MUÇULMANA, SENDO UM CASO INÉDITO NO BRASIL

Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Rio de Janeiro 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro

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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5024876-56.2023.4.02.5101/RJ

AUTOR: ISRRAEL JOSUE ALVAREZ DE ARMAS

RÉU: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

 

 

SENTENÇA

 

Trata-se de ação patrocinada pela Defensoria Pública da União – DPU objetivando a alteração do prenome do autor. Como causa de pedir, o demandante alega que, em função da qualidade de estrangeiro refugiado no Brasil, o único meio possível de conseguir a referida alteração é a via judicial.

 

Inicial e documentos no evento 1.

 

Concedida a gratuidade de justiça (evento 5).

 

Contestação no evento 8, complementada pelos documentos do evento 16.

 

Manifestações da parte autora nos eventos 13 e 20.

 

Nos eventos 27 e 35, manifestações do Ministério Público Federal – MPF.

 

No evento 53, certidão de audiência realizada na modalidade virtual, com gravação em vídeo (evento 52) e na qual as partes e o MPF concordaram com a vinda dos autos para sentença, sem necessidade de novas provas ou manifestações.

 

É o relatório. DECIDO.

 

Não havendo preliminares, passo diretamente à apreciação do mérito e, ao fazê-lo, constato assistir razão ao autor. Senão, vejamos.

 

O demandante, nacional da Venezuela, reside há alguns anos no Brasil, na condição de refugiado (evento 1, ANEXO2, fls. 32 a 35). Por ser estrangeiro, o autor, evidentemente, não possui registro de

 

nascimento em nosso país, ou seja, seu assentamento primário para o Estado Brasileiro é o Registro Nacional Migratório (RNM), a cargo da Polícia Federal.

 

Se fosse cidadão brasileiro, a fim de alterar seu prenome, bastaria ao autor apresentar requerimento ao cartório de registro de pessoas naturais competente, sem necessidade de motivação, nos termos

do art. 56 da Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/1973), que diz1:

Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico.

 

  • 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial.

 

  • 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas.

 

  • 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico.

 

  • 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação.

 

Por outro lado, em se tratando de estrangeiro, a alteração de prenome depende de determinação judicial, nos termos do art. 76 do Decreto n° 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração (Lei n° 13.445/2017). Confira-se:

 

Art. 75. Caberá alteração do Registro Nacional Migratório, por meio de requerimento do imigrante endereçado à Polícia Federal, devidamente instruído com as provas documentais necessárias, nas seguintes hipóteses:

 

  • – casamento;

 

  • – união estável;

 

  • – anulação e nulidade de casamento, divórcio, separação judicial e dissolução de união estável;

 

  • – aquisição de nacionalidade diversa daquela constante do registro; e

 

  • – perda da nacionalidade constante do

 

  • 1º Se a hipótese houver ocorrido em território estrangeiro, a documentação que a comprove deverá respeitar as regras de legalização e tradução, em conformidade com os tratados de que o País seja parte.

 

  • 2º Na hipótese de pessoa registrada como refugiada ou beneficiário de proteção ao apátrida, as alterações referentes à nacionalidade serão comunicadas, preferencialmente por meio eletrônico, ao Comitê Nacional para Refugiados e ao Ministério das Relações Exteriores.

 

Art. 76. Ressalvadas as hipóteses previstas no art. 75, as alterações no registro que comportem modificações do nome do imigrante serão feitas somente após decisão judicial.

 

Ora, a mencionada Lei de Imigração, em seu art. 2°, garante ao imigrante – definido como a pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalhe ou resida e se estabeleça temporária ou definitivamente na República Federativa do Brasil (art. 1°, inciso II) – todos os direitos previstos na lei brasileira. Mais do que isso, o caput do art. 5° da Constituição da República estende aos estrangeiros residentes no país as garantias e direitos fundamentais assegurados aos brasileiros.

 

Nesse ponto, é importante salientar que, na audiência realizada em 06/12/2023 (eventos 53), o autor concordou com a não inclusão de prenomes que – ao menos para quem não é familiarizado com a língua e a cultura árabe – poderiam gerar certo estranhamento. Com efeito, conforme registrado nos vídeos do evento 52, o demandante manifestou o desejo de que seu nome completo passe a ser Ali Muhammad Alvarez de Armas.

 

Nessas circunstâncias, uma vez que, na situação em análise, sequer se cogita a existência de qualquer dos motivos impeditivos elencados no acima transcrito § 4º do art. 56 da Lei n° 6.015/1973, considerando a concordância do MPF com o pleito autoral e independentemente das razões alegadas na inicial – que, diga-se de passagem, são bastante compreensíveis -, revela-se evidente o direito do autor de ter seu prenome alterado.

 

Por fim, cabe ressaltar que não há litígio de fato entre as partes, já que a União em momento algum se opôs à pretensão autoral, mas, apenas assinalou que a legislação vigente exige a via judicial para mudanças de prenome, em se tratando de estrangeiro sem registro em cartório no Brasil. Por conseguinte, o presente feito configura procedimento de jurisdição voluntária, valendo lembrar que o rol do art. 725 do Código de Processo Civil é meramente exemplificativo.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, julgo procedente o pedido, determinando que o nome do autor, nacional da Venezuela, nascido em 08/10/1953, filho de Rosa de Armas e Arturo Alvarez, Registro

 

Nacional Migratório F346716-L, CPF 707.835.972-07, seja alterado de

 

ISRRAEL JOSUE ALVAREZ DE ARMAS

 

para

 

ALI MUHAMMAD ALVAREZ DE ARMAS.

 

Custas na forma da lei.

 

Sem honorários, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, tendo em vista a ausência de resistência da ré e pelo fato de o autor ser patrocinado pela Defensoria Pública da União.

 

Sentença NÃO sujeita a reexame necessário, considerando a natureza do procedimento.

 

Intimem-se. Dê-se ciência ao MPF. Após o trânsito em julgado, oficie-se à:

  1. Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, para que – em no máximo 30 dias – realize as anotações cadastrais necessárias, proceda à alteração ora determinada nos assentamentos do autor no Registro Nacional Migratório (RNM F346716-L) e emita nova carteira de estrangeiro residente no Brasil, já com os dados atualizados, comprovando ao juízo o cumprimento, preferencialmente pelo e-mail 03vf@jfrj.jus.br;

 

  1. Superintendência da Receita Federal do Brasil no Rio de Janeiro, por analogia ao disposto no 3° do art. 56 da Lei n° 6.015/1973, para que – em no máximo 30 dias – proceda à alteração ora determinada no Cadastro das Pessoas Físicas (CPF 707.835.972-07), comprovando ao juízo o cumprimento, preferencialmente pelo e-mail 03vf@jfrj.jus.br;

 

  1. Embaixada da República Bolivariana da Venezuela no Brasil, para ciência e eventuais providências que considerar cabíveis.

 

Tudo cumprido, arquivem-se definitivamente os autos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Documento eletrônico assinado por FABIO TENENBLAT, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.jfrj.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 510012107727v4 e do código CRC cc629c88.

 

 

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): FABIO TENENBLAT Data e Hora: 8/12/2023, às 21:11:28

  1. Redação dada pela Lei n° 13.482/2022. ↩

5024876-56.2023.4.02.5101                                                         510012107727 .V4

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